Nicolás Maduro assume nesta quinta-feira (10) seu segundo mandato como presidente da Venezuela, quase oito meses após vencer, com quase 70% dos votos, uma eleição fortemente boicotada pela oposição e acusada de irregularidades.
Seu novo mandato não terá o reconhecimento da Assembleia Nacional venezuelana e de diversos países, entre eles os EUA, o Canadá, e do Grupo de Lima, do qual o Brasil faz parte. O Peru, outro membro do grupo, chegou a proibir a entrada de Maduro, seus familiares e da cúpula de seu governo no país.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante entrevista coletiva no Palácio Miraflores, em Caracas, na quarta-feira (9) — Foto: Yuri Cortez/AFP
Ele conta, porém, com o apoio do Supremo venezuelano, que irá conduzir sua posse em uma cerimônia a partir das 12h, pela hora de Brasília, e a “lealdade absoluta” da Força Armada Nacional Bolivariana, declarada pelo ministro da Defesa, Vladimir Padrino.
Contrariando a Constituição, a posse não terá um juramento do presidente perante a Assembleia Nacional: assim como o órgão não reconhece a legitimidade de sua eleição, ele também não aceita sua autoridade, e considera que o parlamento, controlado pela oposição, está em “situação de desacato”.
O novo mandato tem duração prevista até 2025.
Nicolás Maduro, no dia de sua primeira posse como presidente da Venezuela, em 19 de abril de 2013, ao lado de Cilia Flores — Foto: Ariana Cubillos/AP
Primeiro mandato
O ex-motorista de ônibus Nicolás Maduro se tornou presidente interino da Venezuela em 2012, durante os últimos meses de vida de Hugo Chávez, de quem é considerado herdeiro político e foi chanceler e vice-presidente.
Indicado por Chávez, ele venceu sua primeira eleição presidencial em 14 de abril de 2013, 40 dias após a morte do líder. Naquela ocasião, venceu por uma margem de 1,59 ponto percentual o candidato oposicionista Henrique Capriles, que não reconheceu a derrota e pediu recontagem de votos. Sua primeira posse foi em 19 de abril do mesmo ano.
Crise
Mas, além de não ter o mesmo carisma e apelo popular de Chávez, Maduro também enfrenta problemas que seu antecessor não conheceu, graças principalmente à crise do petróleo que afetou profundamente o país. A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo — e o recurso é praticamente a única fonte de receita externa do país.
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ao lado de seu então vice-presidente, Nicolás Maduro, em dezembro de 2012 — Foto: Marcelo Garcia / Miraflores Press / AP Photo
Como lembra a BBC, entre 2004 e 2015, nos governos de Hugo Chávez e no início do de Nicolás Maduro, o país recebeu US$ 750 bilhões provenientes da venda de petróleo. O governo chavista aproveitou essa chuva dos chamados “petrodólares” para financiar de programas sociais a importações de praticamente tudo que era consumido no país.
Mas, em 2014, o preço do petróleo desabou. Além de receber menos dinheiro por seu principal produto, a Venezuela também teve uma queda significativa na produção.
O Estado ainda viu seus gastos públicos aumentarem para conseguir manter os programas sociais. A dívida externa aumentou em cinco vezes.
Ao tentar supervalorizar a moeda venezuelana, o governo provocou distorções de valores que, além de causarem a crise de desabastecimento, contribuíram para um cenário de hiperinflação.
Para tentar conter uma inflação prevista de 1 milhão por cento ao ano, em agosto de 2018 o governo lançou um pacote econômico, incluindo entre as medidas o corte de cinco zeros da moeda local, que passou a se chamar bolívar soberano, e um novo câmbio, que previa 96% de desvalorização da moeda do país.
Nicolás Maduro mostra nota de bolívar soberano, moeda que passou a valer na Venezuela em 2018 — Foto: Miraflores Palace/Handout via Reuters
Em novembro, Maduro aumentou o salário mínimo mensal em 150%, para 4,5 bolívares, menos de US$ 10 na taxa de câmbio do mercado negro. Os cidadãos reclamaram que não podiam pagar itens básicos, apesar de um aumento de 60 vezes no valor do salário mínimo em agosto.
Ainda assim, em dezembro, a Assembleia Nacional informou que os preços ao consumidor haviam subido 1,3 milhão por cento no ano.
Nicolás Maduro atribui a maior parte dos problemas econômicos da Venezuela a sanções e boicotes dos Estados Unidos e seus aliados. Na terça-feira (8), inclusive, o governo venezuelano enviou à Organização Mundial de Comércio (OMC) uma reclamação formal, na qual diz que os EUA “impuseram certas medidas coercitivas de restrição comercial com a República Bolivariana da Venezuela, no contexto de tentativas de isolamento econômico da Venezuela”.
O governo de Maduro enfrenta protestos praticamente desde seu início e reponde violentamente: em 2014, 43 pessoas morreram entre fevereiro e junho e o líder oposicionista Leopoldo López foi preso.
Guardas venezuelanos confrontam manifestantes anti-governo em protesto em Caracas, em foto de 12 de abril de 2014 — Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters
Em 2015, o chavismo perdeu o controle do Parlamento e em 2016 o Supremo declarou que a Câmara estava “em desacato”. Desde então, Maduro não presta contas aos deputados, enquanto o restante dos poderes públicos, próximos do Poder Executivo, não levam em conta as decisões do Legislativo.
Em março de 2017, o Tribunal Supremo de Justiça retirou do Congresso o poder de legislar. Foi também em 2017 que o país teve o auge de seus protestos: iniciados em abril e com mais de 100 dias de duração, deixaram um saldo de ao menos 100 mortos.
Nicolás Maduro proibiu todas as manifestações públicas e realizou eleições para uma nova Assembleia Constituinte, com atribuições quase ilimitadas, mas que não foi reconhecida por boa parte da comunidade internacional.
Mulher carrega um cartaz com a mensagem ‘Não à fraude eleitoral com um Conselho Eleitoral Nacional viciado. Não vote’ durante protesto contra as eleições presidenciais em Caracas, na Venezuela, em 16 de maio de 2018 — Foto: AP Photo/Ariana Cubillos
Mais oposicionistas foram presos, os protestos perderam intensidade e a população passou a boicotar ainda mais os processos eleitorais. Os índices de abstenção são cada vez maiores – o voto não é obrigatório na Venezuela: chegaram a 54% nas eleições presidenciais de maio de 2017 e, sem números oficiais, tiveram estimativas ainda mais altas nas votações para prefeito em dezembro do mesmo ano (nas quais muitos partidos foram proibidos de concorrer) e para vereador em dezembro de 2018.
Êxodo
Mesmo os venezuelanos que têm emprego não conseguem adquirir produtos básicos há anos. Em alguns lugares, pessoas chegam a comprar carne estragada para consumir proteína, a escassez de medicamentos em hospitais alcança 88% e é difícil até enterrar ou cremar os mortos.
Em fevereiro de 2018, uma pesquisa mostrou que nove em cada dez venezuelanos viviam abaixo da linha da pobreza, e mais da metade deles estavam no patamar da pobreza extrema.
De acordo com a Pesquisa sobre Condições de Vida (Encovi), realizada anualmente pelas principais universidades da Venezuela, os venezuelanos perderam em média 11 quilos em 2017. Seis em cada dez admitiam já terem ido dormir com fome por falta de comida.
Mais preocupados do que em votar e tentar mudar o país, muitos têm decidido simplesmente ir embora.
Ponte que liga San Antonio del Táchira, na Venezuela, a Villa Del Rosario, do lado colombiano, se tornou símbolo do êxodo de venezuelanos — Foto: Carlos Eduardo Ramirez/Reuters
De acordo com agências da ONU, cerca de três milhões de venezuelanos vivem no exterior, dos quais pelo menos 2,3 milhões deixaram a Venezuela a partir de 2015. A maioria deles viajou para a Colômbia e o Peru.
De acordo com as estimativas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e a Organização Internacional para as Migrações (OIM), cerca de 5.500 pessoas deixaram o país por dia em 2018.
A ONU calcula ainda que, até o final de 2019, haverá 5,3 milhões de refugiados e migrantes venezuelanos.
Fonte: G1